O soldado do cangaço
Carlos Bahia & João Telles

-Pronto, homi. Esse preto brabo não vai mais azuretar nosso
juízo. Borimbora, João. – falou o cabra da espingarda para seu companheiro.
-Entocis bora, Alemão. A gente tem ainda que apagar o
roteiro desse escravo.
Os dois cabras já tinham ido embora quando Jesuíno falou:
-Que diabéisso? Aquele cabra tinha que tá muito brabo pra
meter chumbo num preto desse jeito.
Depois disso, Jesuíno tomou seu rumo de novo. Depois de
caminhar muitas horas com sua alpercata rasgada, ele chegou a uma pequena
capela feita de palha e barro e gritou com a voz morrinhenta:
-Ô de casa!
Um homem
gordo, vestido de padre com um copo de cachaça na mão, abriu a porta da igreja
e falou:
-O que você quer, meu filho?
-Ô meu padre, será que vossemecê tem um tanto d’água pra mim
dar?
-Desculpe, meu filho, água não tenho não! Mas tenho cachaça
a boléu.
-Serve também, nhõ padre.
-Então não se avexe não. Vamo entrando.
A igreja
era bem precária por dentro. Lá havia alguns cepos espalhados para quem
quisesse ver a missa, um altar no fundo com a cruz pendurada na parede, algumas
velas apagadas dentro de castiçais pendurados na parede e tudo era iluminado
por um buraco no teto de palha, de onde vinha a luz do sol escaldante. O padre
gordo entrou em uma camarinha e trouxe dois barris grandes de cachaça.
-Vamos beber!-falou o padre.
-Obrigado, meu padre. Deus lhe pague!
-Me chame de Fabriciano, cabra.
Depois de
muito enfiarem aguardente nos gorgomilos, Jesuíno arranjou um canto para passar
a noite, em cima de uma alcatifa. No dia seguinte, Jesuíno acordou pelos
barulhos de gritos fora da igreja. Lá ele viu o padre Fabriciano falando aos
berros com os dois cabras que Jesuíno viu antes de achar a igreja.
-Ô seu fio de rapariga, seu padre dos infernos! Vossemecê me
deve dinheiro!- falou o homem chamado João.
-Tenha fé em Padim Ciço, home! O futuro a Deus pertence-
falou o padre calmamente.
-Pois se vossemecê não me der o dinheiro agora, vai saber do
futuro com o próprio senhor.
-Me dê mais um dia! Eu lhe imploro por mais um dia.
-Então, como garantia, eu vou botar fogo nessa sua
igrejinha.
Jesuíno
saiu de trás da porta, e foi para o lado do padre e falou:
-Por favor, moço, aceite esse trocado como garantia. Deixe a
igreja do padre em paz.
-E quem vossemecê é?-falou o cabra chamado Alemão.
-Eu sou coroinha do padre.
-Então amanhã nóis vem pra pegar o dinheiro. Borimbora,
Alemão.
Os dois
cabras foram embora, e sumiram no meio do mato. O padre soltou um suspiro de
alívio e perguntou a Jesuíno:
-De onde tirou essas moedas, home?
-Eu tava guardando para comprar um punhado de comida.
-Muito agradecido por vossemecê proteger a minha humilde
igreja
-Uma mão lava a outra. Mas, seu padre, quem é aquele cabra?
-O cabra mais alto, o barbudo de cabelos ruivos e branco
feito farinha é chamado como Alemão. O baixinho quase anão, careca e barbudo
que nem Antônio Conselheiro, com aquele jeito brabo de ser se chama João.
-E o que lhes dão direito de robá dinheiro do sinhô?
-Eles acham que essas banda são tudo dele. Ele faz isso com
todo mundo por aqui. É um ingrato por tudo que fiz por ele. Aquele preto que
você viu morrer, não pagou a eles, acabou morto.
-Pois então tá. Fico muito agradecido pela cachaça e pela
hospedagem, mas tenho que seguir o meu rumo.
-Vá pela sombra, meu fio.
Jesuíno
entrou no mato e em pouco tempo desapareceu. Depois de muito tempo de
caminhada, a lua apareceu e o sol se escondeu. Jesuíno, mesmo cansado,
continuou a caminhar. Pouco tempo depois, ele se viu num pedaço de terra grande
com uma enorme plantação de mandioca do tamanho de um campo de futebol e tantas
cabeças de gado que a vista não alcançava o final. No meio de tudo isso havia
um casarão onde se podia ver dois homens sentados em redes. Quando Jesuíno
apertou mais as vistas, conseguiu ver que os dois homens se tratavam dos cabras
que tinha visto mais cedo. Um sentimento de raiva subiu ao juízo de Jesuíno,
que tirou o facão da bainha, e foi se avizinhando do copiar onde os cabras
estavam. Mas antes que pudesse se aproximar, dois pretos com enxadas surgiram
em sua frente. Ele tentou um golpe com o facão, mas de repente sentiu um aperto
no peito. Quando olhou para baixo, viu que se tratava de um tiro de espingarda
que veio de Alemão no copiar. Jesuíno caiu como uma pedra e suas vistas
escureceram. Depois disso, ele só sentiu um empurrão pra lá, um puxão pra cá, e
quando acordou estava em uma camarinha com somente um candeeiro iluminando o
quarto. Em sua frente estavam João e Alemão.
-O que estava fazendo aqui, Coroinha?- perguntou João.
-Eu... Eu... Eu vim aqui pra tirar satisfações do dinheiro
do padre.
-Pois então foi aquele usurpador que te mandou aqui, não
foi? Vamo falar com ele.
Logo
depois, um preto entrou com o padre Fabriciano amarrado e todo estrupiado.
-Padre... - gritou Jesuíno em tom de preocupação- O que
fizeram com ele?
-Nós fomos naquela igrejinha e tocamos fogo em tudo. Há há
há!!!- falou Alemão
Em sua
frente, João arrancou um facão da bainha e cortou o pescoço do padre. Jesuíno
soltou um grito de raiva, balançou- se para sair da cadeira. Mas os dois cabras
safados continuaram a rir. Logo depois, Jesuíno lembrou-se de uma faca atrás
das calças, tirou-a e cortou as cordas, levantou-se como um raio e arremessou a
faca na cabeça de Alemão, que caiu morto. Com um golpe rápido, soltou um murro
na cara de João e tirou o facão da sua mão e enfiou na barriga do preto.
-O que foi isso?- sussurrou João quase cagado de medo- Tenha
piedade de mim, homi!
-Mas vossemecê não teve piedade do pobre padre Fabriciano. -
falou isso e cortou-lhe o pescoço. Saiu da camarinha e botou fogo em tudo.
Após
queimar a casa de João, Jesuíno passou a noite no curral daquela fazenda. Na
manhã seguinte ele soltou os gados e saiu montado no alazão branco de João. Foi
até a pequena capela de Fabriciano, onde teve uma surpresa. Lá ele encontrou
uma família negra chorando na porta da pequena igreja. O homem, alto e forte
como um boi e careca com olhos negros, notou a nova presença e se virou
rapidamente berrando:
- Foi o senhor que tacou fogo na igreja do padre?
-Não. Esse daí tá caído morto em sua própria terra!
-Morto?
-Isso mermo, eu matei aquele fio de quenga!
-Mas foi o senhor João que tacou fogo aqui? Eu era escravo
dele. Então me deixa me apresentar. Eu sou Fabiano. Minha muiér Ivone e meus
dois fio Júnior e Vicente.
-Prazer, Jesuíno, ao seu dispor. Você tem algum pedaço de
terra?
-Tenho não.
-Então a terra de João é toda sua.
-Vossemecê fala sério? Fico muito agradecido.
-Não tem de quê!
Assim
Jesuíno seguiu seu rumo se tornando depois o primeiro Lampião.
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